Gemba ou Genba é um termo japonês e representa um dos 12 pilares do Toyota Production System (TPS). Significa o lugar onde o trabalho real é feito, o local de trabalho onde o valor é criado. Como o conceito surgiu na manufatura, Gemba refere-se ao chão de fábrica. No desenvolvimento de software o chão de fábrica não é físico, e sim digital. Claro, os trabalhadores são físicos, eles existem, e sem eles o trabalho não aconteceria, assim como os computadores que são utilizados no desenvolvimento de um produto. No entanto, esse aspecto mais intangível oferece alguns desafios para a liderança, pois alguns líderes desconectam-se da realidade e afastam-se do Gemba. Esse desalinhamento é prejudicial para a organização como um todo, resultando em tomadas de decisões equivocadas, perda de produtividade e desmotivação dos funcionários.

Chão de fábrica vs Chão de desenvolvimento de software

A filosofia do Gemba é desenvolver um ambiente de plano aberto, onde ações e processos são transparentes e são visíveis para todos. Caminhar no chão de fábrica ou ir ao Gemba é conhecido na literatura como “Go to Gemba”, “Gemba Walks” ou, do japonês, “genchi gembutsu”. Essa prática permite identificar áreas onde melhorias podem ser feitas, onde há desperdícios, entender melhor como o processo funciona e como a carga de trabalho está distribuída. Gemba Walks possibilitam entender as dores das equipes e contribui para a melhoria contínua do fluxo de valor.

Na linha de produção manufatureira os Gemba Walks são facilitados pelo aspecto físico de trabalho: há materiais, estoque, ferramentas, máquinas, veículos de transporte, sinalização visual e auditiva (às vezes até mesmo olfativa), dashboards informativos e, claro, trabalhadores processando tudo isso em uma linha de produção. No desenvolvimento de software os Gemba Walks não possuem a mesma característica tangível de um chão de fábrica. Aqui, Gemba representa o local onde desenvolvedores, QAs, POs e demais membros trabalham. É onde o produto é desenvolvido, onde o valor para o cliente é criado. Apesar do local de trabalho ser digital, é possível tornar tangível a experiência do Gemba Walk através de mecanismos visuais e verbais.

Scrum ou Kanban boards representam o que seria a linha de montagem no desenvolvimento de software: cada etapa do processo é mapeada, há uma lógica sequencial para execução do trabalho, é possível identificar quem está trabalhando no que, se há defeitos ou impedimentos em uma determinada etapa e se alguém está sobrecarregado. O product backlog é o estoque do time, onde os itens que precisam ser processados ficam armazenados. User stories e código fonte representam alguns dos materiais que o time utilizará para entregar um incremento. As ferramentas de trabalho incluem frameworks, linguagem de programação, versionamento de código, notebook, chat, planilhas, software para design de telas, etc. Por fim, dashboards dão visibilidade do progresso de uma sprint, de métricas, burn-downs, reporte de incidentes, itens bloqueados ou com defeitos e demais informações necessárias para tomada de decisão dos times.

Por que líderes devem praticar Gemba Walk na TI?

Quanto mais complexa é a estrutura funcional de uma organização, mais afastada a liderança fica da realidade dos times de desenvolvimento. Quanto mais hierarquizada é a empresa, mais níveis de liderança existem e mais complexo é o fluxo de informações. Complexidade gera mais trabalho, mais custos e esforços para ser gerenciada. Ao tomarem decisões, líderes correm o risco de ignorar a realidade de quem executará o trabalho.

Clientes satisfeitos não necessariamente significa funcionários satisfeitos. Não é raro encontrar empresas onde os clientes estão felizes com os seus produtos ou serviços, a receita não para de crescer, porém os times andam estressados e desmotivados. Pessoal fazendo hora extra, trabalhando com ferramentas defasadas, reuniões no horário de almoço, prazos super apertados e aquele clima pesado. Resumo: é aquele cenário onde o pessoal está se matando para entregar as coisas, mas para a liderança parece estar tudo certo já que os relatórios estão sempre “verde” e os clientes satisfeitos.

Contratar consultoria ou Agile Coaches/Scrum Masters não isenta a liderança da responsabilidade de conduzir grandes mudanças ou transformações. A melhoria contínua deve ser sistêmica, deve ocorrer em diversos níveis dentro da organização e abranger toda a cadeia de valor. A liderança pode delegar a responsabilidade para outros papéis, mas ela segue sendo encarregada de guiar a empresa na eliminação de desperdícios, criação de valor e melhoria de performance. Culpar o Ágil ou o Scrum é fácil. Difícil é entender o que acontece dentro da sua própria casa.

De fato há um gap enorme entre a liderança e o chão de fábrica em diversas organizações. Gemba Walks proporcionam aproximação entre líderes, processos e funcionários. Essa prática ajuda descobrir diversas disfunções no fluxo de valor que não são apresentadas em relatórios tradicionais. Ela quebra barreiras estruturais que, por vezes, impedem a comunicação entre o nível operacional e estratégico. Caminhar com os funcionários gera empatia, respeito, confiança e mostra que a liderança de fato se importa com o bem estar das pessoas.

Como a liderança pode ir até o Gemba no mundo digital

O fato do chão de fábrica na TI não ter o mesmo aspecto físico como na manufatura (onde surgiu o Gemba) não serve como desculpa para não ir até lá. Trabalhar em uma organização complexa, não impede a liderança de caminhar. Contudo, antes de ir ao Gemba, a liderança deve estar preparada, deve ter claro o propósito da caminhada e ter em mente três perguntas: O que eu estou indo observar? Por que eu estou indo observar? O que estou tentando aprender? Somente após ter as respostas é que vem o segundo passo.

No mundo digital Gemba Walks acontecem através de diversas formas como análise de processos, pesquisas internas de satisfação e acompanhamento de indicadores e métricas. Além disso, nada supera o face-to-face para obter o sentimento real de como o trabalho é realizado. Fazer perguntas certas contribui no entendimento sobre como pessoas e processos se comportam.

Indicadores e Métricas

Apesar de não ser a forma mais eficaz, analisar indicadores e métricas é a forma mais rápida de tirar uma medida sobre como anda o processo. Ver o status do projeto é importante, mas será que o número de defeitos não vem crescendo sprint após sprint? O time disse que entregou os objetivos da sprint com sucesso, mas será que não teve muita hora extra e trabalho no final de semana? Como anda o NPS interno do time, o pessoal está satisfeito com a forma de trabalhar e com o suporte da gestão?

Geralmente, dashboards são utilizados para consolidar informações como progresso da sprint, burn-down, taxa de correção de incidentes em produção, quantidade de itens adicionados e removidos depois do início da sprint, cycle time, lead time, throughput, entre outras métricas. Dashboards podem oferecer ótimos insights quando se sabe o que, onde e quando medir.

Boards

Analisar o fluxo de trabalho tanto no upstream quanto no downstream permite entender como os times estruturaram as etapas do seu processo, se o upstream consegue prover demandas na mesma velocidade que o time entrega, se há WIP Limits e se são respeitados, como a carga de trabalho está distribuída, como é feito o discovery de novas soluções, identificar onde os itens ficam mais tempo parados, etc. Entender como o trabalho é feito oferece feedback sobre possíveis gaps e desperdícios no fluxo de valor.

1:1s

Reuniões One-to-One são muito úteis para capturar informações intangíveis, aquelas que são mais difíceis de serem capturadas em um dashboard ou relatório. As seguintes perguntas ajudam entender a percepção das pessoas em relação ao modo de trabalho: O que você acha do processo atual? O time segue o processo? Quais etapas são as mais problemáticas? Quando acontece um problema, como ele é resolvido? O que o processo deveria ter e não tem hoje? Há muitas interrupções durante a sprint? Como você se sente trabalhando no dia a dia? Precisa de alguma ferramenta para executar o trabalho de forma mais eficiente? Está claro para você o propósito do que você está fazendo?

Indicadores e métricas, boards e dashboards, e 1:1s são algumas das diversas formas de praticar o Gemba Walk no desenvolvimento de software. Sim, é possível caminhar onde o trabalho acontece de maneira digital e líderes devem identificar os meios mais adequados de obter informações sobre o funcionamento do fluxo de valor dentro da sua organização. A melhoria continua e a redução de desperdícios acontecem através de mudanças e ao conhecer os processos a liderança conseguirá identificar com mais facilidade onde elas devem ocorrer e até mesmo suportar as suas equipes para que elas mesmas possam gerenciar os seus projetos de melhorias.

Gemba Walk é somente para a liderança?

Não. Apesar do post ter focado no papel da liderança no Gemba Walk, qualquer pessoa dentro da organização pode praticá-lo. A caminhada pode ser feita por qualquer membro do time que esteja disposto a descobrir maneiras melhores de desenvolver software. (Somente eu achei alguma semelhança como Manifesto Ágil?)

Caminhar faz bem para a saúde e ajuda manter a mente sã. Falando em sanidade, Albert Einstein já dizia: “insanidade é fazer sempre a mesma coisa várias e várias vezes esperando obter um resultado diferente”. Conheça os processos da sua empresa, quem sabe comece pelos processos do seu próprio time. Reúna a galera e bora caminhar!!!


Referências

Genba – Toyota Production System guide

Gemba Walk: Where the Real Work Happens

Gemba: o que é e qual a importância desse lugar?

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